Pessoas,
escolhi o texto abaixo para iniciar o Fora do Metier. Ele não é bem a cara do espaço porque o local faz parte do metier. Por isso não trouxe dicas diretas do local, apesar de citá-lo. Lembrem-se, no entanto, que poderia conter acontecimentos interessantes ocorridos em algum lugar. Este foi o motivo para colocá-lo dentro do "Fora do Metier" [sem repetições por favor]. Aproveitei também para afinar coisas que pertencerão ao outro blog. O inusitado é que o acontecimento nunca aconteceu...
Não se assustem com o tamanho do texto. Ele é leve e interessante. Requer o mínimo de esforço. Vocês sabem que essas colunas do blog são estreitas e esticam o texto. Mesmo assim resolvi dividí-lo em duas partes, para facilitar.
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Estou aqui no Chalezinho, Shopping Salvador, “aquele mesmo” do Jardim de Alá, bebendo uns chopes e beliscando um queijo coalho com melaço.
Vim ao Salvador em busca de dois livros do Nelson Rodrigues. Como não os encontrei, decidi permanecer no shopping, observar o movimento e continuar a leitura de A bola corre mais que os homens, do Roberto da Matta. Na falta de uma companhia feminina ou dos amigos para uma boa conversa, foi o melhor programa encontrado para esta manhã que vai virando tarde.
Segundo chope na goela e algumas páginas lidas, bate a [ordinária] vontade de fumar. Adiei ao máximo, mas nunca o suficiente para deixar de atendê-la. Sozinho, deixar o lugar para fumar seria algo difícil, uma vez que é proibido dar umas baforadas dentro do shopping. Teria que pagar a conta, sair, voltar e abri-la novamente. Imaginava quantas vezes repetiria o feito. Sinceramente, não estava disposto a isto. Então, chamei a recepcionista e garçonete, cujo nome depois perguntei e descobrir ser Rosa.
– Amiguinha, por favor! Gostaria de ir na varanda fumar um cigarrinho. Pago logo ou deixo meu livro aqui na mesa e um documento em sua mão? - perguntei.
– Não, pode ir. Deixa o livro aí mesmo. - respondeu Rosa.
– E o documento? - insisti.
– Não precisa não, pode ir.
– Então tá. Olha meu livro aí que volto rápido. – recomendei enquanto deixava a mesa para saciar o vício.
É impressionante como as idéias começam a surgir de forma organizada quando relaxo, fumando. Inocentemente criei esta associação e, agora, tornei-me refém dela. Não consigo ler sem fumar. O cigarro entra na nossa vida por termos permitido algum dia. Insistimos e, ao longo do tempo, por meio das associações criadas, esse “merdinha” nos mostra todo seu poder de domínio – físico, químico e psicológico. “Vai de reto...”!!!
Pois bem. Pensava ser impossível sair para fumar sem pagar a conta, deixando apenas um livrinho como garantia. Lógico que não iria dar o “birro”, jamais! Primeiro porque o livro do Da Matta vale mais que os dois chopes consumidos. Segundo, pelo fator justiça arraigado em minha pessoa. Agradeço aos meus pais por me ensinarem a trilha reta da honestidade. Voltei, fiz um sinal para Rosa e continuei a leitura acompanhada do terceiro chope.
Na quarta tulipa bateu a vontade de “tiragostar” [foi quando pedi o coalho], acompanhada daquela de mi***, vocês sabem, “tirar água do joelho”. Teria que sair outra vez e como comentei, não queria pagar a conta cada vez que precisasse sair. Não iria embora, apenas ao banheiro e para variar, “fazer fumaça”.
– Rosa, ô Rosa. - chamei-a.
– Pois n...
– Pedi um queijinho, mas preciso ir ao sanitário. – completei interrompendo-a.
– Tudo bem, vou pedir pra segurarem um pouco. – respondeu sempre simpática.
Pensar naquilo que se passava na cabeça de Rosa e dos outros funcionários, vendo-me sair da mesa, era coisa minha. Imaginava a preocupação deles, temendo que fosse embora sem pagar porra nenhuma. O livro sobre a mesa poderia estar lido ou ser barato demais para cobrir os gastos. É tanta gente desonesta, tanto político ladrão e uma desigualdade social tão grande que a qualquer hora podemos tomar um calote.
Pelo meu lado, dizia ser honesto, filho de uma boa família e que o livro valia mais que os chopes e queijo consumidos, financeiramente falando e, muito mais, pelos valores [imateriais] agregados.