Pipipipi, pipipipi, pipipipi. Insiste o despertador, cinco da matina. Levanto, é o começo de mais um dia, outra quinta-feira. Outra mesmo, porque teria diferentes atividades e não apenas a faculdade. Às 16:00 horas a professora tinha marcado aula no Solar do Unhão e às 20:00 horas Marcelo Reis, da Casa da Photographia, exporia suas fotografias no Centro Cultural da Caixa, rua Carlos Gomes. Ignorar um convite feito pelo próprio Reis para a solenidade de lançamento de sua exposição, era no mínimo insensato. Planejava sair da faculdade por volta das 11:00 horas, passar em casa, tomar um banho, almoçar e rumar à minha programação cultural.
Às 14:00 horas ainda me encontrava na faculdade finalizando um trabalho de outra matéria. Liguei para casa na esperança do carro estar disponível, do banho e do almoço. Indisponibilidade constatada. Teria que ir de ônibus, sem problemas, abdicar do banho e me contentar com um lanchinho. Saltei atrás do Mercado Modelo, iria caminhar pela Contorno até o Solar, entretanto resolvi procurar antes o Queiroz – um maravilhoso repentista e poeta popular que admiro sobremaneira, parceiro do menestrel Bule-Bule – na frente do Mercado, onde fica a banca. Apesar da humildade da barraca, ali estão expostos tesouros, verdadeiras expressões da cultura popular. Das xilografias que guardam em suas páginas a Literatura de Cordel aos cedês (CD’s) recheados de poesia, côcos, sambas rurais, entre outras preciosidades. Queiroz não estava me disse um gentil senhor, conhecido como o Imperador do Cordel. Após alguma conversa agradeci com entusiasmo e prometi voltar para levar um de seus cordéis.
No Solar, alguns colegas aguardavam ansiosos a professora. Esperamos. Resolvi ir até o píer, a fim de me aproximar do mar e do sol, cada vez mais próximo do horizonte. Esperamos. A luz estava bela e me fez lembrar um outro motivo para querer passar em casa antes, a minha câmera fotográfica. Não é todo dia que desfrutamos o pôr do Solar. Esperamos. Ligo para professora, quero ver o filme, ela não atende. Paciência, deve ter acontecido algum imprevisto. Decido, então, ver a exposição de Pierre Verger, no MAM. Mais saudades da câmera, menos também. Decidimos ir. Aproveito a companhia da turma e vou deixando o Solar do Unhão, não quero sair sozinho pois estava escurecendo. Nada da professora. Isso me entristeceu um pouco, mas fiquei feliz pelos presentes por ela enviados. O mar da baía com suas calmas águas iluminadas pela dourada luz de um sol sem pressa em se esconder, Verger e fotografias mentais, uma verdadeira aula de percepção, independência, maturidade e (auto)conhecimento.
Paramos, eu e mais três, num posto ao lado do Trapiche Adelaide. Abastecer é preciso e refrescar, necessário. O telefone toca, era a professora. Informo o local onde estávamos e ela vem ao nosso encontro. Explica-se, dar-nos satisfação sobre o incomum atraso. Compreendo. Nem precisava de explicação (eu não disse, é claro) já tinha me comprazido.
Estou na Carlos Gomes, escrevendo sobre meu dia, instantes antes de entrar no Centro Cultural da Caixa para contemplar a “Etnologia da Solidão”. Depois, solitário dentro de um ônibus, escondido na imponência desconcertada da metrópole, suas formas, singularmente retratadas por Reis em branco e preto, sigo pensando... a casa, o banho, o jantar, minhas meninas, a próxima aula de Alena.
Guigo F.G.