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17 janeiro, 2009

AH !... Se Daví soubesse!...

Se o jovem Davi soubesse... oh!, se ele pudesse saber...
Que a sua funda, armada com toscas pedras, está hoje nas mãos dos garotos palestinos... que o Golias de agora, ironia das ironias, é um super-tanque blindado, sub-teleguiado por seus irmãos de sangue, hebreus, em uma inversão total e escandalosa dos papéis, na História da Terra Prometida.
Se Davi soubesse, do que se passa hoje em Canaã, silenciariam as cordas da sua harpa... já não seria curado o Rei Saul... e a Musicoterapia jamais se teria iniciado, para grande pesar da humanidade inteira.
Ah!... mas Davi também foi invasor, filho ou neto de invasor, e a Terra Prometida, onde jorrava leite e mel, era a terra dos cananeus, dos amonitas, dos jebusitas, dos moabitas, de tantos outros e também dos filisteus, a cujo povo Golias pertencia... mas não era dos hebreus. Mas, porém, Jeová havia comandado – “entrem, tomem conta da terra, não deixem vivo nada que respire”!... As hordas de Josué, sucessor de Moisés, fizeram o possível sob as ordens do Deus cruel do Velho Testamento... tomaram conta dos seus pedaços, pintaram e bordaram, repartiram a Terra Sagrada entre as doze tribos de Jacob.
O próprio Davi, d’antes um simples escudeiro, viria a reinar por vastas áreas, unificando as porções centrífugas sob a sua coroa, no Reino Unido de Israel e Judá. Davi foi um grande rei, não há o que contestar, e para os verdadeiramente grandes até os maiores pecados encontram seu perdão – e perdão rima com Salomão, daí que o crime maior de Davi contra Urias, um de seus melhores generais, enviando-o à tormentosa batalha de Gileade a morrer em mãos inimigas, para abiscoitar de vez a viúva Betsabet, já então sua amante, não ofuscou a sua imagem poderosa, nem evitou ser ele o nome mais citado na Bíblia Sagrada, mais até que o de Moisés e o de Jesus. E Salomão, rebento sacrilego de Davi com Betsabet, passaria à posteridade como símbolo de justiça e sabedoria.
Mas, redivivo Davi, nos tempos hodiernos, relembrando ele a sua intimorata coragem frente ao gigante Golias de espadas armado, contendo o jovem hebreu apenas uma simples funda frente ao maioral dos filisteus, que pensaria Davi dessa imagem invertida pelo tempo e pelas proezas da política internacional?
Centenas ou milhares de Davis palestinos (árabes, muçulmanos, pós filisteus e pós cananitas), atiçam das fundas suas pedras, para a boca medonha dos canhões, a moderna cabeça dos Golias, que não se prostram com as pedradas. Antes, delas fazem chicanas, estilhaçando à sua frente homens, mulheres e crianças, num festival de barbárie poucas vezes rivalizado na história da civilização. É o holocausto palestino.
Os judeus, ao longo de três milênios, foram vítimas e heróis, bandidos e cruéis, invasores e expatriados, mais errantes que situados, condenados sem razão, redimidos pela própria força dos músculos e do intelecto, enlevados pelas grandes conquistas que emprestaram à ciência e ao humanismo, à civilidade e à filosofia, irônicamente molestados até na crucifixão do taumaturgo da Galiléia, no cimo da cruz... INRJ... Jesus Nazareno, Rei dos Judeus.
Mas os tempos são outros. Outro também é o palco contemporâneo das disputas. Alí está, hodiernamente, a velha Palestina, que não pode mais ser chamada Canaã. Os expatriados, judeus, voltaram. Os situados, nunca saíram... conquanto sejam hoje um turbilhão de múltiplas origens, próximas talvez entre si. E os muitos deuses, hoje são apenas dois, Yaveh e Allah, que certamente são um só apenas um, o Deus único dos judeus, o Deus único de Maomé. Mas a nacionalidade é dupla – para resumir a questão, israelitas (invasores, reinantes, expatriados e retornantes) e palestinos (ficantes, árabes, muçulmanos, chegantes). E para resolver a questão, duas pátrias, Israel, o velho Israel ressuscitado de Davi e Salomão, e a Palestina, ou que outro nome melhor a vierem denominá-la, em nome dos filisteus e jebusitas, amonitas, moabitas, cananeus e outros povos também deslocados outrora, mas que deixaram também suas sementes naquela terra.
O que três mil anos separaram e confundiram, somente a tolerância e o humanismo poderão reunir, conquanto semi-separado, em duas pátrias, duas nações. A esta altura da evolução histórica da humanidade, não se pode negar aos judeus o lar ancestral de Davi e Salomão, assim como não podem os palestinos privar-se da sua terra-mãe.
Os deuses, em verdade, são iguais, são tudo e não são nada, são benévolos ou são cruéis. Serão sempre deuses. As pátrias mudam – muitas já mudaram com o tempo... muitas acabaram... muitas ressuscitaram... Existem ainda, as que podem se firmar... ou reafirmar, embora, a rigor, ao longo da História, nada houvesse feito maior mal à humanidade que as noções explícitas de patriotismo e divindades.

Ernane N.A.Gusmão SSA,BA, 16/01/09
e-mail:enagursa@atarde.com.br

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Funda – Laçada de couro ou de corda para arrojar pedras, ou outros projetis, ao longe. [Sin., ant.: fundíbulo.]; atiradeira.
Hodierno – Relativo aos dias de hoje; atual.
Hebreu – Indivíduo dos hebreus, povo semita da Antiguidade, do qual descendem os atuais judeus (v. judeu); hebraico.
Cananeus – De, ou pertencente ou relativo à região histórica e bíblica de Canaã (Palestina).
Moabitas – Indivíduo dos moabitas, povo do antigo reino de Moabe (na atual Jordânia).
Filisteus – De, ou pertencente ou relativo aos filisteus, povo não semita estabelecido no litoral da Palestina desde o séc. XII a. C., e que, segundo a tradição bíblica, foi dominado pelo rei Daví.
Semita – Indivíduo dos semitas, família etnográfica e lingüística, originária da Ásia ocidental, e que compreende os hebreus, os assírios, os aramaicos, os fenícios, os árabes.
Redivivo – Que retornou à vida; ressuscitado.
Intimorata – Sem temor; destemido.

3 comentários:

Anônimo disse...

Esse relato assim como muitos outros descritos na bíblia mostram que o ser humano sempre apresentou um relacionamento muito conturbado com as "divindades", cometendo até inúmeras atrocidades baseado em suas crenças, como ocorre até hoje.
Porém acredito que ter fé em Deus e em si mesmo é o que faz a diferença. Mas as pessoas confundem fé com religião e se tornam fanáticas. Religião apenas corrompe e destrói.

jorginho da hora disse...

Adorei, meu velho, muito bem escrito. Vou voltar para ler de novo. Na verdade, os judeus sempre foram mais opressores do que oprimidos, Com excessão na época do nazismo, onde eles foram realmente vitimas.

Anônimo disse...

Ponto-de-vista, perspectiva e contexto... cuidado com o viés de quem fala...

o texto é do Ernane, coloquei o e-mail para aprofundar mais com ele caso achem interessante.