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06 agosto, 2007

(Ser) Curinga

Cabisbaixo, caminhava pensativo...
...a vida errante, a família se dissolvendo e os amigos, distantes.
Procurava uma resposta, algum sinal
em meio ao turbilhão de pensamentos invasores. Ia ao âmago, em busca da causa dessa angústia consumidora e depressiva. Trespassava os portais[1] e, mesmo assim, não encontrava solução. As idéias, outrora visitantes, sumiram. Quase pisava numa carta enquanto andava em direção a um portal. Porém, antes de adentrá-lo, as cartas do baralho de Frode[2] ascenderam na memória. Um lampejo surgido no giro do tufão mental. Parou! Pensou. Uma carta esquecida e perdida, do jeito como se sentia. Voltou vacilante para apanhá-la. Só pode ser um curinga, desejou...

Um baralho possui 52 cartas (13 por naipe) mais um curinga. O curinga é carta fora do baralho, não pertence a nenhum naipe e na maioria dos jogos é descartado, não faz falta.

Virando-a recebeu uma descarga de satisfação e alívio. Um homenzinho com chapéu e roupas coloridas, cheio de guizos. Sentava-se na concavidade da lua crescente e olhava através de um binóculo. Era um curinga!
Segurando-o firme, atravessou o portal. Do outro lado, caminhava sem parar de olhá-lo. Seria apenas mais uma carta para a maioria das pessoas, menos para ele.
Um tipo de “bobo da corte” sentado na lua e olhando além, com um binóculo, não poderia ser uma mera cartinha. Cada baralho possui o seu curinga. É uma carta única e diferente de todas as outras, é ímpar! Parece não pertencer a nenhum naipe, mas pertence à todos.
É um ser diferenciado. Enxerga aquilo que os outros não vêem, com distanciamento, amplitude e profundidade. Questiona sobre a razão de sua existência, do lugar onde vive e das relações sociais. A busca pelo conhecimento é constante, não cessa.

Ele quer ser curinga. Ele é um curinga. Essa foi a resposta, o sinal (geralmente)...
“... pouco percebido pelas mentes não sintonizadas com o processo universal da interrelação nos movimentos quânticos, dentro da inquietação vibrante do Cosmo.”[3]

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[1] Espécie de passagem para outra dimensão onde a pessoa se sente livre das impurezas, avarezas e opressão presentes na sociedade. Essa dimensão é qualquer lugar onde a pessoa se sinta verdadeiramente bem e despreendido. Esquece dos problemas, encontra soluções e tem idéias boas e criativas.
[2] Personagem de Jostein Gaarder em O dia do curinga. Leia o livro e saiba mais.
[3] Gusmão, Ernane N.A. Sincronicidade e acasualidade – uma visão holística da vida. In: URSA MAIOR: ensaios. Salvador:_____, 2004. p.51.

15 comentários:

Unknown disse...

Acalmo meu coração e respiro fundo, ai de mim. Na inebriada alma que habito, movimenta-se um ser inquieto que diz somos muito mais do percebemos, mas infelizmente acreditamos que somos muito menos do que esse ser inquieto acredita que somos.
Seu texto me diz que podemos deixar que esse ser inquieto (o curinga que existe em cada um de nós) conduza nosso ser árido acostumado a ser igual a todos.

Estou certa meu amigo? Ah! Vc está escrevendo melhor do que antes si é que isso é possivel.

Te adoro um beijo no coração

Guigus disse...

Embriagados estamos, tão entorpecidos que vislumbrar algo diferente é até complicado... No entanto, mesmo com essa inversão de valores causada por um escroto, dentre outros, chamado neo-liberalismo, sinto-me mal com certas hipocrisias humanas. Ser curinga é uma saída, mas requer cuidados...
Você, como sempre, gentil. Se é possível? Claro que sim, e digo isso sem falsa modéstia pq ainda não sou nada... apenas procuro um lugar no mundo, resolver minhas inquietações, lutar por elas...
Beijo no fundo da alma!

Anônimo disse...

Oi, Guigo! Leia em Jung ou em Veet Pramand sobre o tarot. Veja o significado do baralho e do curinga. Você vai gostar.

Abraço!! Bom ter ido lá. Gostei da visita.

Guigus disse...

Alena, bom foi sua visita aqui!!! Obrigado pela dica, vou procurar. Caso tenha dificuldades vou te procurar. Espero que realmente seja bem legal, pois essa figurinha ganhou destaque e importância para mim.

Anônimo disse...

Lega, texto inteligente e bastante instigante, cheio de metáfofas. Me surpreendeu pela qualidade. Continue escrevendo.

Scott Ramirez

Guigus disse...

Caro Scott "Brian" Ramirez, surpreenda-se pelo "ser curinga". Diferente, inconformado, curioso...
Obrigado pela visita e pelo comentário.

Anônimo disse...

Guilherme,o seu texto está muito bom pois,o leitor pode fazer questionamentos sobre o que ter valor,importância,e ao mesmo tempo saber da falta deste valor,simbolizado ai no texto pela carta,coringa.
Diogo Rocha Braga

Guigus disse...

Sim, meu caro amigo Diogo. Não podemos descartar o valor das coisas. As vezes, uma mudança de perspectiva resolve o assunto. Aquilo que não tinha valor passa a tê-lo. O curinga, presente no texto, mostra isso (muito bem observado!!!), mas vai mais além. O "ser curinga" permite-nos contestar sobre nós, a humanidade...

Patinho Feio disse...

"Uma carta esquecida e perdida, do jeito como se sentia. [...]
Um baralho possui 52 cartas (13 por naipe) mais um curinga. O curinga é carta fora do baralho, não pertence a nenhum naipe e na maioria dos jogos é descartado, não faz falta."

sinto-me inquieto a cada instante.
a cada pensamento.

muito interessante o que escreveu.

abraço.

Guigus disse...

A inquietude é boa companheira, pois não permite a conformação. Faz-nos buscar sempre!!!

Unknown disse...

Olá Guilherme
Estou intrigada. Pois eu e uma amiga encontramos uma carta de baralho ou tarot (não sabemos definir) igual a descrita em seu texto, ou seja, o coringa sentado na meia-lua observando algo ou alguém com um binóculos. O que você pode nos dizer sobre isso. Por favor, esclareça, se possível, o que significa e de onde vem esta carta. De qual baralho? Se for tarot, o que é pretendido com ela?
Obrigada pela atenção.
Regiane.

Anônimo disse...

Cara Regiane, pelo que descreveu é uma carta de algum baralho comum e não de tarô.
Posso dizer que achar um curinga pode não ter sido uma mera e simples coincidência. O significado do curinga é metafórico, depende do que ele irá representar pra você.

Embora explícito aqui no texto,para mim, o curinga é o filósofo, aquele indivíduo que está sempre perguntando o porquê das coisas. Você e sua amiga já se perguntaram de onde vieram? Ou quem são vocês? Tem um livro muito, mas muito legal, chamado O dia do curinga de Jostein Gaarder (não é grande e a leitura é fácil e contagiante, li em dois dias, não conseguia parar de ler) que recomendo!

sketch man disse...

Não sei como explicar, mas esse texto revela exatamente o que aconteceu comigo dias atrás: ..."Procurava uma resposta, algum sinal
em meio ao turbilhão de pensamentos invasores. Ia ao âmago, em busca da causa dessa angústia consumidora e depressiva. Trespassava os portais e, mesmo assim, não encontrava solução"...

E foi assim vacilante, andando pela rua pensativo e ao mesmo tempo imbuido de um estranho sentimento de sincronicidade que encontrei no chão a carta curinga; Para alguns pode significar nada, mas ela estava virada, desconhecida, parecia presumir a chegada de alguém.

"Um tipo de “bobo da corte” sentado na lua e olhando além, com um binóculo, não poderia ser uma mera cartinha. Cada baralho possui o seu curinga. É uma carta única e diferente de todas as outras, é ímpar! Parece não pertencer a nenhum naipe, mas pertence à todos."

- Foi exatamente essa a grafia do curinga na carta retirada; Poderia ser qualquer outro desenho, mas lá estava ele sentado, com seu binóculo sentado na lua crescente.

De todo modo, ótimo texto, estou atônito, parece-me que houve alguma teia que me conduziu até esse ponto.

sketch man disse...

Se eu não estisse completamente sóbrio no momento diria que estava beirando a insanidade; Li seu texto e me pareceu que eu era o eu-lírico, o sujeito dessa empreitada toda. Dias atrás, pensativo, caminhava pelas ruas, imbuido de um sentimento de sincronicidade e refletindo sobre a vida; Sem querer, encontrei uma carta no chão, virada, com as costas para cima . . . quando a desvirei lá estava o curinga, sentado na lua com o binóculo. Tive os mesmos sentimentos do personagem do seu texto.

Percebi uma conexão "espiritual" entre esse texto e eu, as vezes acho que estou ficando realmente louco rs, mas as coisas que estão em outro plano, portal, se manifestam nessa realidade e isso está ficando meio constante na minha vida, como encontrar esse texto depois de te-lo vivenciado literamente.

Abraços, fica em paz.

Guigus disse...

sketch: belo rascunho man!